janeiro 2019
Minha escolha para o vídeo de hoje ficou, no final, entre duas alternativas quase opostas, Elis Regina e Patricia Janecková – cujo nome a maioria de vocês provavelmente não conhece. Exceto por serem mulheres e cantoras, se distinguem em todo o resto. Da grande Elis, claro, não preciso falar, e prometo que ela estará aqui em breve. Janecková é uma brilhante e jovenzíssima soprano coloratura, que vai completar 20 anos agora em 2019, nascida na Alemanha mas de origem e formação eslovacas. Bonita como todas essas cantoras que nos vêm da Europa do Leste.
Hércules Barsotti foi um pintor admirável. Viveu muito (de 1914 a 2010) e trabalhou infatigavelmente. Em seus últimos anos, sabia que se tinha transformado num artista badalado e caro, o principal representante vivo da pintura abstrata geométrica no Brasil. No entanto não mudou seus hábitos, não ficou mascarado nem fez uma arte cada vez mais intelectual e inacessível. Pelo contrário. A pintura de Barsotti sempre se distinguiu por sua (falsa) simplicidade e pela grande sensibilidade, longe das complicações teóricas em que muitos de seus companheiros de linguagem se metiam. A estrutura e a composição dos quadros são pensadas, mas o belo colorido é intuitivo e deseja apenas seduzir. Um raro exemplo de perfeito equilíbrio entre razão e emoção, tanto no artista como para quem olha sua obra.
Há cerca de meio século (no Brasil, há menos tempo), a fotografia adquiriu o status de arte e passou a frequentar galerias e museus. Sabe-se hoje que não é a técnica nem a dificuldade de produção que determinam o que é artístico ou não. A obra de arte é o registro privilegiado de uma visão (em sentido literal ou figurado) da vida e do mundo – e para tanto a fotografia está em casa.
Tudo nesta exposição é bom. O artista – o grande Lasar Segall. O local, o novo prédio do SESC no centro de São Paulo (rua 24 de maio). A curadoria, da crítica de arte Maria Alice Milliet. O projeto de montagem das obras, pelo arquiteto Pedro Mendes da Rocha. Não tenho senão como recomendar-lhes a visita.
Dizem que é bom malhar em ferro quente. Então tratemos de novo de Fernando Pessoa, que é um poeta inesgotável e poderá voltar aqui várias vezes sem nos cansar. Aliás, Pessoa (Lisboa, 1888-1935) não foi um poeta, foi vários. Para expressar os mundos conflitantes que sentia dentro de si, criou heterônimos, poetas imaginários, e sob o nome de cada um deles produziu determinado tipo de poesia. Os principais foram Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Fernando Pessoa ele próprio. Inventou até as biografias deles. Ricardo Reis, por exemplo, a certa altura emigrou para o Brasil. Por sua vez o grande romancista português José Saramago imaginou uma volta de Reis a Lisboa, no fim da vida, e escreveu O Ano da Morte deRicardo Reis, um livro brilhante.
Tenho a impressão de que a imagem acima do pianista Lang Lang não é uma montagem. Fazer uma acrobacia para ser fotografado é completamente o estilo dele. Lang, nascido na China em 1982, é um desses prodigiosos músicos que o Oriente tem fornecido à música clássica nos últimos vinte anos. Não nos surpreende a ideia de japoneses, chineses, coreanos, etc., treinando obsessivamente 18 horas por dia até virarem insuperáveis virtuoses. A maioria deles usa a técnica excepcional só a serviço da música. Lang Lang vai além: adora o espetáculo, é careteiro, faz cena. Toca maravilhosamente bem mas tem um defeito: costuma exagerar na rapidez, na velocidade, para tornar ainda mais brilhante sua execução.
Enfim, Fernando Pessoa. Entre os poetas portugueses, creio que no Brasil só Camões (1524?-1579?) talvez seja mais famoso que Pessoa (1888-1935) – e assim mesmo, porque era obrigatório, na escola, ler parte de Os Lusíadas, seu enorme poema épico narrando a história de Portugal. É algo tão distante de nós que só quem leu também os sonetos de amor de Camões pode ter ideia da grandeza dele. Já Pessoa, mais de 300 anos depois, fala evidentemente de nosso mundo. É um homem do século XX com todos seus problemas. Personalidade complexa, criou dentro de si mesmo vários poetas diferentes, a que chamou heterônimos, cada um com uma visão do mundo definida e distinta. Os principais são Fernando Pessoa ele mesmo, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Imaginou até as biografias de cada um. A poesia de Pessoa é ao mesmo tempo fácil (faz enorme sucesso) e difícil, porque é inegavelmente filosófica; através dos versos se exprime um pensamento, as reflexões de uma mente privilegiada. Usa a língua com tal precisão e rigor que exige uma leitura superatenta, para que o texto fique claro. Vejam só a solidão e a impossibilidade da real comunicação amorosa retratadas – separadamente – nestes maravilhosos e sucintos poemas de Ricardo Reis.
Todos pensam na obra de Alfredo Volpi (1896-1988) através de seus “temas” essenciais: bandeirinhas e fachadas. Ponho entre aspas a palavra temas porque, no caso de Volpi, o termo é adaptado. A rigor, suas pinturas são composições geométricas às quais damos, por analogia, esses nomes. Na maturidade, ele não pretendeu, realmente, representar aspectos da realidade. Suas telas constituem jogos de triângulos, retângulos, círculos, etc.
Promessa é dívida. Estou pagando a que assumi no último encontro. Não sei se não soube procurar direito, porque encontrei pouca coisa de Elis Regina no You Tube– onde costumo recolher meus convidados. Eu era pouco mais que adolescente mas me lembro perfeitamente de quando essa gaúcha (nascida em 1945, falecida tão triste e precocemente aos 36 anos) despontou na tv. Seu imediato sucesso durou tanto quanto ela, graças a seu timbre luminoso, à afinação mais que perfeita, à energia e precisão rítmicas e a interpretações comoventes.
Vocês bem podem imaginar que eu fico horas no YouTube escolhendo um vídeo de música para lhes trazer, aqui. Acaba sendo difícil, porque há tanta coisa! Uns são descobertas, interpretações excepcionais, obras que não costumamos ouvir. Outros, pelo contrário, nos trazem o prazer de reencontrar aquela melodia que ainda nos agrada simplesmente porque sempre agradou. Hoje ficaremos nesta segunda categoria. Os mais jovens talvez não a conheçam: A Víúva Alegre, do compositor austríaco Franz Lehár (1870-1948). Foi a opereta mais famosa do século XX. Cliquem aqui para ouvir o trecho também mais famoso, a valsa, com a bonita russa Olga Peretyatko e um já idoso Plácido Domingo, que ainda canta muito. Vejam na tela grande, é uma bela apresentação num baile na Ópera de Viena.
Continuemos nossas expedições pela poesia. Hoje, de novo uma mulher, Adélia Prado, nascida em 1935 em Divinópolis, Minas Gerais. Adélia não poderia ser mais diferente de Cecília Meireles, de quem falamos no último encontro. Cecília é requintadíssima e nada coloquial. Adélia é natural, fala a linguagem comum, parte de um mundo simples, demonstrando que a maior poesia pode-se esconder no menor detalhe do dia a dia. Era uma professorinha primária do interior, modestamente casada com um funcionário do Banco do Brasil, quando, só aos 41 anos, um poema seu caiu nas mãos de Carlos Drummond de Andrade. Descobriu-se então uma poeta (não poetisa) espantosa, da maior qualidade, capaz de tratar também de assuntos complexos sem ficar pretensiosa. Deus, o destino do homem e a sexualidade (sim) estão entre seus temas. Em 1987, Fernanda Montenegro montou o espetáculo Dona Doida, com base em textos de Adélia.
Em vida, Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) foi extremamente infeliz. Tinha lábio leporino e palato fendido, regurgitava comida pela narina durante a refeição (imaginem o custo social disso), não conseguiu ter um amor correspondido, bebia muito, passava necessidades, vivia de favor em casa de amigos. Depois de morto, provou-se que foi um dos maiores pintores do modernismo, com um universo próprio cheio de poesia. Os quadros mais conhecidos são as paisagens imaginárias de Minas, com suas igrejinhas salpicadas no espaço. No entanto, Guignard pintou também numerosas figuras de Cristo e de São Sebastião. Estas eram feitas quando ele sentia suas dores reumáticas. Uma peculiar transposição da vida para a obra, que resulta em quadros tão belos quanto o destacado abaixo, o óleo sobre tela São Sebastião.