Vários (grandes) poetas diferentes
Enfim, Fernando Pessoa. Entre os poetas portugueses, creio que no Brasil só Camões (1524?-1579?) talvez seja mais famoso que Pessoa (1888-1935) – e assim mesmo, porque era obrigatório, na escola, ler parte de Os Lusíadas, seu enorme poema épico narrando a história de Portugal. É algo tão distante de nós que só quem leu também os sonetos de amor de Camões pode ter ideia da grandeza dele. Já Pessoa, mais de 300 anos depois, fala evidentemente de nosso mundo. É um homem do século XX com todos seus problemas. Personalidade complexa, criou dentro de si mesmo vários poetas diferentes, a que chamou heterônimos, cada um com uma visão do mundo definida e distinta. Os principais são Fernando Pessoa ele mesmo, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Imaginou até as biografias de cada um. A poesia de Pessoa é ao mesmo tempo fácil (faz enorme sucesso) e difícil, porque é inegavelmente filosófica; através dos versos se exprime um pensamento, as reflexões de uma mente privilegiada. Usa a língua com tal precisão e rigor que exige uma leitura superatenta, para que o texto fique claro. Vejam só a solidão e a impossibilidade da real comunicação amorosa retratadas – separadamente – nestes maravilhosos e sucintos poemas de Ricardo Reis.
1.
Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge,
Mas finge sem fingimento.
Nada esperes que em ti já não exista.
Cada um consigo é triste.
Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
Sorte se a sorte é dada.
2.
Ninguém a outro ama, senão que ama
O que de si há nele, ou é suposto.
Nada te pese que não te amem. Sentem-te
Quem és, e és estrangeiro.
Cura de ser quem és, amam-te ou nunca.
Firme contigo, sofrerás avaro
De penas.