Um(a) Terceiro(a) Pessoa
Pessoa em retrato verdadeiro por Almada Negreiros, que foi seu amigo
Já nos encontramos aqui com o próprio Fernando Pessoa (1885-1935), um dos dois maiores poetas nascidos em Portugal (o outro é Camões), e com Ricardo Reis, um dos principais heterônimos dele. Os heterônimos foram poetas imaginários que Pessoa inventou, para expressar as diferentes personalidades que sentia dentro de si mesmo, suas diferentes sensibilidades e visões do mundo. Sob o nome de cada um produziu determinado tipo de poesia, com estilo e temas próprios. Quando se assinava Fernando Pessoa ele mesmo era um filósofo do cotidiano não muito complicado. Sob o nome de Ricardo Reis escrevia odes, que são um formato de poema antigo, tratando de assuntos também comuns na antiguidade, como a relação do homem com os deuses e as infelicidades a que eles nos condenam. Álvaro de Campos era, ao contrário, um engenheiro às voltas com a modernidade, encucado e um pouco amargo. E Alberto Caeiro defendia uma relação direta com a natureza, a total simplicidade, a nenhuma intelectualização da vida. Poetas realmente muito diferentes – embora nenhum fosse otimista. Vamo-nos encontrar hoje com o maravilhoso Alberto Caeiro.
Pessoa em retrato imaginário por Júlio Pomar, que não o conheceu
Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...
Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...
Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...
Antes isso do que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena...