Um dos três grandes da língua

Um dos três grandes da língua

Paula Reis 98 views Nenhum comentário

Muitos de vocês já deviam estar-se perguntando: e Carlos Drummond de Andrade? Por que não apareceu ainda, ele que é provavelmente o mais famoso poeta moderno brasileiro? Para mim, não só o mais famoso; também o maior. Como não existe instrumento para esse tipo de medida, não posso apresentar provas, a não ser seus próprios poemas maravilhosos. De tempos em tempos trarei um aqui. E cada vez mais vocês se deslumbrarão, e acabarão concordando comigo. Eis os três grandes da língua portuguesa: Camões, Fernando Pessoa, Drummond.

O que diferencia Drummond (1902-1987)? A amplitude de seu mundo, o sábio ceticismo e a fina ironia com que o observava, a mágica linguagem com que falava dele. Seus versos são ao mesmo tempo simples e poderosos, brilhantes, arrancados da mais arrebatadora inteligência poética. Existe para a poesia um repertório atemporal e universal que todos conhecem: o amor, a dor de cotovelo, a eternidade, a saudade, a natureza, etc. etc. Drummond acrescenta uma pessimista reflexão sobre o exercício de viver, a espécie humana e suas contingências, seus raros triunfos e frequentes misérias. No mesmo nível de densidade, só Fernando Pessoa.

Por onde começar? A escolha é infinita. Opto por um soneto dolorido e não muito conhecido: um velho filho escrevendo à (memória da?) mãe.

Carta

Carlos Drummond de Andrade

Há muito tempo, sim, que não te escrevo.

Ficaram velhas todas as notícias.

Eu mesmo envelheci: Olha, em relevo,

estes sinais em mim, não das carícias

(tão leves) que fazias no meu rosto:

são golpes, são espinhos, são lembranças

da vida a teu menino, que ao sol-posto

perde a sabedoria das crianças.

A falta que me fazes não é tanto

à hora de dormir, quando dizias

“Deus te abençoe”, e a noite abria em sonho.

É quando, ao despertar, revejo a um canto

a noite acumulada de meus dias,

e sinto que estou vivo, e que não sonho.

Publicado em: Arte
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