Um dos três grandes da língua
Muitos de vocês já deviam estar-se perguntando: e Carlos Drummond de Andrade? Por que não apareceu ainda, ele que é provavelmente o mais famoso poeta moderno brasileiro? Para mim, não só o mais famoso; também o maior. Como não existe instrumento para esse tipo de medida, não posso apresentar provas, a não ser seus próprios poemas maravilhosos. De tempos em tempos trarei um aqui. E cada vez mais vocês se deslumbrarão, e acabarão concordando comigo. Eis os três grandes da língua portuguesa: Camões, Fernando Pessoa, Drummond.
O que diferencia Drummond (1902-1987)? A amplitude de seu mundo, o sábio ceticismo e a fina ironia com que o observava, a mágica linguagem com que falava dele. Seus versos são ao mesmo tempo simples e poderosos, brilhantes, arrancados da mais arrebatadora inteligência poética. Existe para a poesia um repertório atemporal e universal que todos conhecem: o amor, a dor de cotovelo, a eternidade, a saudade, a natureza, etc. etc. Drummond acrescenta uma pessimista reflexão sobre o exercício de viver, a espécie humana e suas contingências, seus raros triunfos e frequentes misérias. No mesmo nível de densidade, só Fernando Pessoa.
Por onde começar? A escolha é infinita. Opto por um soneto dolorido e não muito conhecido: um velho filho escrevendo à (memória da?) mãe.
Carta
Carlos Drummond de Andrade
Há muito tempo, sim, que não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelheci: Olha, em relevo,
estes sinais em mim, não das carícias
(tão leves) que fazias no meu rosto:
são golpes, são espinhos, são lembranças
da vida a teu menino, que ao sol-posto
perde a sabedoria das crianças.
A falta que me fazes não é tanto
à hora de dormir, quando dizias
“Deus te abençoe”, e a noite abria em sonho.
É quando, ao despertar, revejo a um canto
a noite acumulada de meus dias,
e sinto que estou vivo, e que não sonho.