Poesia em tempo de sofrimento
Não é só em quilometragem que a Rússia fica tão longe do Brasil. Na produção cultural também. Conhecemos alguns de seus compositores: Tchaikovsky, Rimsky-Korsakov, Prokofieff. E que mais? Certamente não o grande poeta que foi Anna Akhmatova (1889-1966). Sua vida atravessou as agruras políticas de sua pátria: o czarismo, a revolução de 1917, o stalinismo, a segunda guerra mundial. Teve problemas com Stalin, chegou a ser expurgada da União dos Escritores Soviéticos mas não presa – e sobreviveu ao ditador. Sua poesia reflete os trágicos acontecimentos que a cercam, num estilo pessoal econômico mas profundamente comovente, até arrebatador. Talvez seja a maior poeta russa. Vejam este poema de 1935.
Vieram ao amanhecer e te levaram.
Eras o meu morto e eu te segui.
No cômodo escuro as crianças choravam,
o círio sagrado arfava sufocado.
Teus lábios estavam frios do beijo no ícone,
e o suor brotava em tua testa – flores da morte!
Como as viúvas dos exércitos de Pedro, na Praça Vermelha,
ficarei de pé e uivarei sob as torres do Kremlin.