Os mistérios insolúveis da poesia
Há no universo das artes coisas que realmente não conseguimos explicar. O que é que faz de um texto um grande texto poético? Antigamente ainda havia regras de forma, como a rima e a métrica. Podiam não garantir a qualidade, mas pelo menos indicavam que pretendia se tratar de poesia. Hoje, não. O mais lindo poema pode estar escondido dentro de palavras das mais prosaicas, enfileiradas com a maior (aparente) naturalidade, numa escrita despretensiosamente coloquial. Porém ao lê-lo, sabemos que é poesia, nos comove, às vezes arrepia – só não sabemos dizer porquê. No Brasil, o maior mestre dessa poesia lírica feita com inteira simplicidade, em torno de coisas simples, foi o modernista pernambucano Manoel Bandeira (1886-1968). Dele escolhi um poema um pouco estranho – mas certamente da mais alta sensibilidade.
Namorados
Manuel Bandeira
O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
– Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com
a sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
– Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listada?
A moça se lembrava:
– A gente fica olhando...
A meninice brincou de novo nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
– Antônia, você parece uma lagarta listada.
A moça arregalou os olhos, fez exclamações. O rapaz concluiu:
– Antônia, você é engraçada! Você parece louca.