Entrevista: Paulo Miyada
A Galeria Arte 57 apresenta a exposição dentro/fora/dentro e vice-versa, com curadoria de Paulo Miyada (São Paulo, 1985), curador-chefe do Instituto Tomie Ohtake e pesquisador de arte contemporânea. Explorando o espaço e orientando o percurso estão obras como Relevo Espacial A19 (1959) e o penetrável Macaléia (1978), ambas de Helio Oiticica, e entre elas peças importantíssimas de Waltercio Caldas, José Resende e Iran do Espírito Santo, entre outros nomes de peso. Definitivamente é uma mostra que faz o visitante rodar por entre as obras, procurar novos pontos de vista e enxergar sentidos diferentes a cada vez que volta a bater o olho nas peças. Entre uma rodada e outra pelo salão, conversei com Paulo Miyada sobre sua trajetória e como foi a concepção da exposição. E, sem mais voltas, confira como foi nosso papo!
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Você cursou Arquitetura e Urbanismo, e é mestre na área. Quando você escolheu essa carreira, já imaginava atuar como curador? Conte um pouco de sua trajetória aos leitores do Blog da Blombô.
Na verdade, não premeditei minha aproximação com a curadoria. Enquanto estudava na FAU-USP, decidi não me concentrar na construção de edifícios, mas sim nos outros elementos – além das paredes e estruturas físicas – que constituem os espaços de convívio. Isso me aproximou do cinema e da arte contemporânea, em uma série de exercícios e estudos. Em 2009, Agnaldo Farias, que havia sido meu professor e orientador, convidou-me para ser seu assistente de curadoria no desenvolvimento da 29ª Bienal de São Paulo. Ali, enquanto procurava estar à altura da complexidade da Bienal, pude compreender melhor a dimensão do trabalho curatorial e aproximar reflexões prévias aos contextos expositivos. Depois dessa experiência, ingressei no Instituto Tomie Ohtake para coordenar seu recém-fundado Núcleo de Pesquisa e Curadoria e sigo na instituição até hoje, tendo passado ao cargo de curador-chefe em 2015. Em paralelo, realizo projetos, textos e colaborações diversas com outros contextos, o que tem sido fundamental para ampliar referências, experiências e diálogos.
Como surgiu a ideia de montar a exposição "dentro/fora/dentro e vice-versa" com a Arte 57? Como foi o processo de escolha das obras? O que liga umas às outras?
O convite para minha colaboração partiu da disponibilidade de trabalho com algumas obras fundamentais na história da arte brasileira, como a Macaléia de Hélio Oiticica. Quando se pode alcançar obras dessa magnitude, elas mesmas orientam caminhos e critérios e, a partir dessa interpretação, pudemos organizar uma exposição que trata das múltiplas abordagens artísticas do limiar entre o interior e o exterior de uma secção espacial.
Em seguida, tivemos acesso a uma obra anterior de Hélio Oiticica, um de seus Relevos Espaciais. Decidimos coloca-lo na entrada da exposição, sabendo que a Macaléia seria o ponto final da mostra. Assim, definiu-se um eixo entre essas duas obras. Trata-se de um eixo histórico, já que entre essas obras desenrola-se uma importante reflexão de Oiticica sobre a escala ambiental das obras de arte. Trata-se também de um eixo reflexivo, pois entre esses dois pontos é possível agrupar diversas obras e artistas que contribuem para o entendimento sobre modos de definir, recortar e ampliar espacialidades valendo-se da mínima quantidade de matéria.
Assim, ao longo da exposição, conforme descrevo no texto curatorial: “Há linhas que definem volumes, dobras que multiplicam planos, emaranhados que sugerem massas, vazios cheios de ar, maciços que aparentam estar ocos, pesos que equilibram flutuações, reflexos que recortam a luz e campos de cor que modelam ambiências. De dentro para fora, de fora como se de dentro, dentro do fora ao avesso e assim por diante”.
Como funciona sua cabeça ao pensar uma exposição dentro de uma galeria? O que ela tem de diferente de espaços maiores (além do tamanho) e que atingem um público também muito maior? A compreensão do público fica diferente?
Sempre defendo que o trabalho curatorial não se define à despeito do lugar em que se desenrola: cada endereço carrega uma miríade de significados, públicos, recursos e espacialidades específicas que determinam o campo de possibilidades e desafios de uma exposição. No caso de uma galeria, é importante tomar partido do fato de que tanto as equipes internas quanto a maior parte dos visitantes já têm alguma familiaridade com os modos de apresentação de obras de arte contemporânea. Além disso, gosto de pensar que galerias são lugares em que muitas conversas acontecem e certas exposições estimulam que essas conversas se aprofundem.
Não obstante, a dimensão mais decididamente pública de espaços institucionais e/ou urbanos traz para outros contextos um tipo de abertura e risco que dificilmente podem ser reproduzidos em uma galeria, o que faz com que certas propostas pareçam fora de propósito nesse tipo de ambiente.
Quando uma exposição com curadoria sua termina, o que lhe faz sentir que seu trabalho atingiu o que você buscava - aquela sensação de “missão cumprida"? Alguma vez já se deparou com uma resposta diferente e que o surpreendeu?
Na verdade, são as “respostas diferentes” que normalmente funcionam como indicativo de que algo de positivo foi alcançado com uma exposição. Uma curadoria procura começar uma conversa entre obras e públicos, algo que ela possa ajudar a estimular, mas não deveria direcionar inteiramente. Por isso, quando há relatos ou experiências que indicam que houve transformações no modo como algumas obras são vistas e pensadas e no modo como algumas pessoas refletem sobre quais os potenciais das obras de arte, entendo que o saldo final é positivo.
Claro que, muito antes disso, a montagem de uma exposição é um estágio fundamental, em que se percebe a dimensão da sinergia entre lugar, obras, ideias e relações. Quando isso está bem, pelo menos se sabe que o ofício curatorial exerceu seu papel, e então se pode esperar pelo público e suas dinâmicas de interesse, atenção, curiosidade e provocação – que podem ou não acontecer como imaginado.
E, para encerrar, o que o público que vier visitar a exposição dentro/fora/dentro e vice-versa vai levar de experiência?
É justamente o que queremos descobrir. Imagino que o público encontrará uma mesa farta de concepções de espaço e modos de defini-lo, atravessá-lo e recortá-lo, todas pensadas por artistas excepcionais. Existe contraste entre as obras, mas também se notará reincidências e ecos entre seus procedimentos e materiais. Talvez seja uma oportunidade para refletir sobre aspectos específicos da história da arte contemporânea, ou também para ampliar o imaginário sobre os modos de construir ambiências e ambientes. Em todo caso, por certo, será uma chance de ver ou rever obras que retribuem a nossa atenção com sua engenhosidade criativa.
dentro/fora/dentro e vice-versa
Av. 9 de Julho, 5144, Jardim Paulista - São Paulo
De 10 de novembro a 5 de dezembro
segunda à sexta das 11h às 18h
Até 5/12
Tem alguma dúvida, sugestão ou crítica? Escreva, fale, comente!
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