Entrevista: Gabriel Wickbold
O post de hoje marca a estreia da seção de Entrevistas aqui no Blog da Blombô, e meu começo não poderia ter sido melhor: conversei com Gabriel Wickbold, 35 anos, autodidata, fotógrafo, artista plástico, galerista. Não há como limitar seu trabalho dentro de uma só definição. Sua inquietação criativa deve somar ainda mais substantivos a essa lista, afinal, estamos falando de alguém que já aos 12 anos começou a escrever poesias. “A arte sempre esteve presente em mim; quis começar a escrever muito cedo”.
A fotografia veio meio ao acaso, resultado de uma viagem de 45 dias feita em 2006, seguindo o percurso do Rio São Francisco. Dela nasceu a série Brasileiros, com retratos de pessoas que surgiram pelo caminho e que abriram suas casas e suas almas para as lentes de Gabriel. Dois anos depois veio Sexual Colors, que tornou Gabriel conhecido pelo grande público. A partir daí sua trajetória vem numa crescente, com a abertura de sua própria galeria, exposição em Nova York, participação na Art Basel de Miami, além de várias outras mostras por aqui.
A arte sempre esteve presente na sua vida (a mãe de Gabriel é artista plástica). Você acha que teria procurado por ela, a arte, caso não tivesse sido assim?
Muito difícil responder se a vida teria tomado outro rumo caso nas coisas não tivessem sido assim. Realmente a arte sempre esteve presente em mim; quis começar a escrever poesias muito cedo, quis criar projetos, e minha mãe foi grande incentivadora.
Você faz trabalhos incríveis utilizando materiais comuns, até banais. Como inicia um trabalho novo? Você pesquisa, parte da necessidade de realizar um projeto ou a inspiração vem de forma inesperada?
Eu sempre utilizo os materiais mais simples e trato os temas mais banais, como a digitalização da nossa geração, sustentabilidade, nosso momento de volta para nós mesmos pela meditação. Enfim, temas banais. O que eu faço é converter isso para a forma mais simples possível, e acho que as melhores ideias são as que estão ali, ao alcance de todos, mas ninguém foi lá se apropriar, ninguém fez. Acho que aí está o grande twist do meu trabalho.
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Em Brasileiros você retratou pessoas comuns, gente que conheceu pelo caminho. Nas outras séries trabalhou com modelos e celebridades acostumadas às lentes de profissionais. Ainda assim, vemos na série de 2006 muito mais que retratos, vemos os sentimentos, quase vemos a alma daquelas pessoas. Foi mais difícil trabalhar com elas? Você faria novamente algo do gênero?
O trabalho de 2006 com certeza foi meu trabalho de descoberta da alma, desse olhar que transmite muita emoção, muita informação. Em 2016 eu fiz um projeto chamado Antes nua do que sua em que viajei por 12 cidades brasileiras, fotografando 500 mulheres em 365 dias. Nele trouxe de volta essa coisa do modelo transmitir seu sentimento, sua emoção. Meus outros trabalhos usam a pessoa como um suporte em cima do qual construo vários desafios. Ali o modelo está fora de sua zona de conforto mas nunca transmite sua própria emoção. Ele fala sobre a condição do homem como um todo. Acho que 2016 foi um novo capítulo, em que trouxe novamente esse universo da alma retratado em 2006.
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Você acha que o público que vai às suas exposições entende sua arte, entende que sua criação vai além daquela imagem, ou comparecem já com aquela ideia comum sobre o que é uma fotografia? Afinal, sua criação começa antes, com a preparação dos modelos, do materiais, de tudo que você cria antes do clique.
Acho que foi um processo de construção. Meu trabalho ganhou uma assinatura porque as pessoas entenderam que o modelo está ali desconectado do humano. Por isso o público nunca vai esperando uma fotografia, mas sim a desconstrução da fotografia, da instalação, da pintura. Aí está o meu trabalho e o universo que permeia a galeria, dos artistas expostos também.
Participação na SP Arte Foto 2018
Você enxerga alguma influência do trabalho de sua mãe e de sua infância nas temáticas de seus próprios trabalhos?
Não vejo conexão, acho que meu trabalho traz temas muito mais ligados ao meu sentimento do momento, uma tradução muito íntima. Mas eu costumo brincar que crescer rodeado de tintas me fez ter vontade de fazer uma guerra com elas!
Você abriu sua galeria para a exibição do trabalho de outros fotógrafos. O quanto essa interação é importante para sua arte? E como é para você como artista ter sua própria galeria?
Os artistas que exibo em minha galeria têm oxigenado muito a maneira como enxergo meu próprio trabalho. Com relação à curadoria, você fica muito mais ágil e entende melhor o consumidor final, entende a reação dos colecionadores e vai ficando mais lapidado. Ser um artista na minha própria galeria é bem disruptivo e está de acordo com a minha proposta de rever o mercado, rever as instituições, rever a forma de lidar com o público final. Vivemos numa geração extremamente conectada e os papeis estão sendo todos revistos. Venda, relacionamento e construção de marca são quesitos que misturamos muito bem. O mercado de arte, por mais tradicional que seja, está sempre disposto a ser reinventado, a ser quebrado. Isso você vê desde Damien Hirst com os Young British Artists e fazendo seu próprio leilão na Sotheby’s (Damiens HIsrt é aquele famoso artista plástico do tubarão no tanque de formol. Em 2008 ele inovou ao vender 223 obras novas diretamente pela Sotheby's. Foi uma novidade tanto pelo artista vendendo diretamente pela casa de leilões quanto pela casa vendendo obras novas vindas diretamente do artista), ou Andy Warhol com toda a coisa da reprodutibilidade em seu trabalho, chegando mesmo até Duchamp. A arte sempre tem paradigmas a serem quebrados, os movimentos artísticos sempre quebram o anterior, e eu acho que nossa geração está nesse movimento, é direta, conectada, responde por si e não precisa necessariamente de um galerista ou de alguém para dar o aval sobre seu produto. O mercado da arte hoje vive um momento com grandes feiras que são grandes centros de comercialização, e o papel do crítico de arte está sendo revisto. O fato de gostar ou não de um trabalho está se tornando secundário; você não precisa necessariamente gostar de uma obra, mas deve aceitar sua relevância diante de seu sucesso comercial. É isso que estamos propondo aqui também: a nossa relevância comercial.
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O que vem por aí? Pensar nisso preocupa ou é um desafio que motiva?
Meu lado inquieto sempre está imaginando qual vai ser o próximo passo, o próximo movimento. A gente nunca chega em um lugar e pronto, estamos sempre vivendo os acontecimentos na trajetória e acho que isso é o grande barato da vida. Não podemos perder o foco de que estamos aqui para aprender sempre e que cada novo desafio é um novo frio na barriga, uma nova forma de enxergar o próprio trabalho. As pessoas sempre cobram o artista sobre o que está fazendo no momento, o que está produzindo. Fui cobrado no começo da carreira e sou cobrado até hoje. Meus próximos passos são uma grande dúvida mesmo, e a cobrança acaba fazendo a gente querer criar coisas novas, diferentes. O que vem depois é uma pergunta que nunca vai cessar. E tomara que não, que a gente sempre continue com criatividade e com vontade de fazer coisas novas!
Se você ficou curioso para ver o trabalho de Gabriel Wickbold de perto, anote na agenda: dia 22 de novembro começa a exposição I am Light - Você é Luz, com seu mais novo trabalho. Parte das obras já foram vistas numa mostra especial realizada em Nova Iorque em setembro deste ano, no empreendimento Jardim, de Isay Weinfeld. Em breve trago todos os detalhes do evento!
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Instagram: @paularsanches