Ele ainda não é Dante mas vale a pena ver
O que, no final, faz a glória de um artista é realmente a obra que produz. Mas se ele tiver sido infeliz, podem ter certeza de que ajuda. O mundo gosta de maldições: o aleijão de Toulouse-Lautrec, a orelha cortada de van Gogh. Sem chegar a tais extremos, Ai Weiwei se beneficia de suas desventuras políticas: dissidente chinês, filho de dissidente, vigiado e preso pelo regime, proibido por anos de sair do país. Sem dúvida isso contribuiu para seu enorme sucesso internacional. Não é ilegítimo, e faz com que seu trabalho também acabe sendo, por força, predominantemente político.
Ai Weiwei: "Terra de Raízes" (2018), monumental, imponente e dramático, ao mesmo tempo
Estranho ver diversos artistas num só
A atual exposição de Ai Wewei na Oca, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, é a maior realizada até hoje. Permite aos brasileiros uma visão privilegiada. Inclui desde enormes obras de grande impacto e qualidade até pequenos objetos de menor interesse. Não só no tamanho, também no suporte, na linguagem e no tipo de recado, são trabalhos distintos. Ai Wewei (nascido em 1957) pertence a uma geração de artistas multimídia para quem cada obra resulta de uma ideia autônoma e é desenvolvida de maneira autônoma. Faz pintura, escultura, ready-mades, instalações e vídeos, sem nenhuma preocupação com unidade, coerência e outros valores que duraram até o modernismo. Seu estilo pode ser figurativo, até realista, numa obra; noutra, abstrato geométrico; conceitual, mais adiante. Nos tempos que correm não há nada de errado nisso. É apenas um pouco desconcertante ver uma exposição que parece conter diversos artistas tão desiguais, inclusive na qualidade.
"Reto" (2008-2012), instalação de 50m de comprimento feita com vergalhões de uma escola destruída
Há artistas que só se dão bem em obras delicadas, intimistas, como música de câmara. Há também o oposto: os corajosos e grandiloquentes. Weiwei pertence a esta categoria. Seus trabalhos maiores realmente impressionam, destacando-se as instalações. Algumas são ao mesmo tempo esculturas, como uma feita com 1254 bicicletas, que recebe o visitante do lado de fora da Oca. Lá dentro, há um lindo ‘tapete’ quase minimalista de mais de 350 m2, usando milhões de cópias de sementes de girassol em cerâmica (ele morou nos Estados Unidos na época em que o minimalismo estava no auge); tem um clima quase religioso. Lei da Viagem é um barco inflável de PVC negro com 16 m de comprimento, levando 51 figuras de rostos sem feições, referência ao atual drama dos refugiados do Mediterrâneo. Enfim, as obras mais sensacionais são outro tapete, feito de vergalhões recuperados das ruínas de uma escola infantil que desabou num terremoto, em 2008, e uma construção monumental com enormes pedaços de troncos secos. Possui grave imponência e, ao mesmo tempo, algum drama.
O poeta T. S. Eliot disse que tudo que Dante escreveu interessa, porque provém de Dante. Por certo Weiwei ainda não chegou a esse ponto. Nem tudo que fez interessa por igual – mas o que já fez torna obrigatória uma visita à Oca.
"Duas Figuras", escultura em gesso, 2018. A imagem masculina foi moldada diretamente no corpo do artista