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Dizem que é bom malhar em ferro quente. Então tratemos de novo de Fernando Pessoa, que é um poeta inesgotável e poderá voltar aqui várias vezes sem nos cansar. Aliás, Pessoa (Lisboa, 1888-1935) não foi um poeta, foi vários. Para expressar os mundos conflitantes que sentia dentro de si, criou heterônimos, poetas imaginários, e sob o nome de cada um deles produziu determinado tipo de poesia. Os principais foram Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Fernando Pessoa ele próprio. Inventou até as biografias deles. Ricardo Reis, por exemplo, a certa altura emigrou para o Brasil. Por sua vez o grande romancista português José Saramago imaginou uma volta de Reis a Lisboa, no fim da vida, e escreveu O Ano da Morte deRicardo Reis, um livro brilhante.
Enfim, Fernando Pessoa. Entre os poetas portugueses, creio que no Brasil só Camões (1524?-1579?) talvez seja mais famoso que Pessoa (1888-1935) – e assim mesmo, porque era obrigatório, na escola, ler parte de Os Lusíadas, seu enorme poema épico narrando a história de Portugal. É algo tão distante de nós que só quem leu também os sonetos de amor de Camões pode ter ideia da grandeza dele. Já Pessoa, mais de 300 anos depois, fala evidentemente de nosso mundo. É um homem do século XX com todos seus problemas. Personalidade complexa, criou dentro de si mesmo vários poetas diferentes, a que chamou heterônimos, cada um com uma visão do mundo definida e distinta. Os principais são Fernando Pessoa ele mesmo, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Imaginou até as biografias de cada um. A poesia de Pessoa é ao mesmo tempo fácil (faz enorme sucesso) e difícil, porque é inegavelmente filosófica; através dos versos se exprime um pensamento, as reflexões de uma mente privilegiada. Usa a língua com tal precisão e rigor que exige uma leitura superatenta, para que o texto fique claro. Vejam só a solidão e a impossibilidade da real comunicação amorosa retratadas – separadamente – nestes maravilhosos e sucintos poemas de Ricardo Reis.
Continuemos nossas expedições pela poesia. Hoje, de novo uma mulher, Adélia Prado, nascida em 1935 em Divinópolis, Minas Gerais. Adélia não poderia ser mais diferente de Cecília Meireles, de quem falamos no último encontro. Cecília é requintadíssima e nada coloquial. Adélia é natural, fala a linguagem comum, parte de um mundo simples, demonstrando que a maior poesia pode-se esconder no menor detalhe do dia a dia. Era uma professorinha primária do interior, modestamente casada com um funcionário do Banco do Brasil, quando, só aos 41 anos, um poema seu caiu nas mãos de Carlos Drummond de Andrade. Descobriu-se então uma poeta (não poetisa) espantosa, da maior qualidade, capaz de tratar também de assuntos complexos sem ficar pretensiosa. Deus, o destino do homem e a sexualidade (sim) estão entre seus temas. Em 1987, Fernanda Montenegro montou o espetáculo Dona Doida, com base em textos de Adélia.
Muitos de vocês já deviam estar-se perguntando: e Carlos Drummond de Andrade? Por que não apareceu ainda, ele que é provavelmente o mais famoso poeta moderno brasileiro? Para mim, não só o mais famoso; também o maior. Como não existe instrumento para esse tipo de medida, não posso apresentar provas, a não ser seus próprios poemas maravilhosos. De tempos em tempos trarei um aqui. E cada vez mais vocês se deslumbrarão, e acabarão concordando comigo. Eis os três grandes da língua portuguesa: Camões, Fernando Pessoa, Drummond.
Não é só em quilometragem que a Rússia fica tão longe do Brasil. Na produção cultural também. Conhecemos alguns de seus compositores: Tchaikovsky, Rimsky-Korsakov, Prokofieff. E que mais? Certamente não o grande poeta que foi Anna Akhmatova (1889-1966). Sua vida atravessou as agruras políticas de sua pátria: o czarismo, a revolução de 1917, o stalinismo, a segunda guerra mundial. Teve problemas com Stalin, chegou a ser expurgada da União dos Escritores Soviéticos mas não presa – e sobreviveu ao ditador. Sua poesia reflete os trágicos acontecimentos que a cercam, num estilo pessoal econômico mas profundamente comovente, até arrebatador. Talvez seja a maior poeta russa. Vejam este poema de 1935.